Todo mundo conhece a história de Peter Pan, o menino que não queria crescer: um dia ele adentrou pela janela do quarto de Wendy, João e Miguel e os convenceu a viajarem juntos para a Terra do Nunca. As aventuras que viveram lá envolviam índios, sereias e piratas, incluindo o mais terrível deles, o Capitão Gancho.
Poucas pessoas porém têm o prazer de ler o texto original. Eu fui uma das pessoas que não tiveram esse prazer, tinha lido anteriormente uma adaptação. Na época não sabia que aquela era só uma versão mal feita que alguém ousou fazer. Logo descobri a armadilha em que caí e não sosseguei até terminar a leitura do texto completo. Logo a alegria, a liberdade e o reconhecimento me invadiram! Tão diferente da adaptação!
A linguagem carrega uma facilidade coloquial envolvente; é como se J. M. Barrie estivesse sentado ao nosso lado, nos contando essa história. O texto é cheio de marcações dialógicas que só aumentam a proximidade e intimidade com o autor e seu universo. Em alguns momentos ele nos inclui na história a medida que expõe os fatos, perguntando-nos qual seria o melhor desfecho ou o próximo acontecimento a se desenrolar. Além dessa dialética com o leitor, Barrie nos apresenta respostas mágicas e criativas para as perguntas infantis (e, talvez por isso, mais significativas) do dia-a-dia. Como sua linda explicação sobre as estrelas-que só podem observar a vida, como castigo por uma coisa que fizeram há tanto tempo que nenhuma delas se lembra.
Fiquei surpresa em reconhecer que o Capitão Gancho é uma metáfora da vida adulta, mas está tudo lá! É um homem que Peter combate com todas as suas forças, um homem que não vê mais alegria em nada e que mais se importa com sua aparência do que com qualquer outra coisa. Para ele, o pior defeito é a falta de educação.
Já Peter é o oposto. Peter Pan é a infância que desconhece o significado de barreiras e limites. Como ele próprio diz: “Eu sou a juventude, sou a alegria, sou um passarinho que acabou de sair do ovo.” Ao que Barrie nos adverte que “Peter não tinha a menor idéia de quem ou o que ele mesmo era.”
Depois de viverem diversas aventuras com Peter e os meninos perdidos, as crianças retornam à sua casa, inclusive dando abrigo à esses meninos-essa foi a única alegria da qual Peter se privou. Ao saírem da Terra do Nunca, todos começam a crescer e Pan vai ficando cada vez mais distante até que “(…) Wendy era uma mulher casada, enquanto Peter não passava de um montinho de poeira na caixa onde ela havia guardado seus brinquedos.” Agora Wendy tem uma filha e Peter volta para buscá-la, assim como fará com a filha dela e a filha da filha dela-como é de grande conhecimento de todos, Peter tem uma certa, como direi?, afeição maior por crianças.
Talvez pela sua vida tão marcada por perdas trágicas-o irmão de treze anos; o filho adotivo George; outro filho adotivo de nome Michael-Barrie venha nos lembrar o quão doloroso e nostálgico é o adeus à infância, mas garante que fica mais fácil se acreditarmos na inocência. Ele nos certifica de que todas as crianças crescem, menos uma.
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